sábado, 26 de novembro de 2011


A incrível saga de um velho eremita
ou
Sobre velhos e demônios


Nas horas mais insalubres da noite,
por detrás da grande floresta,
ouço o vento soprar
no deserto dos amores perdidos.
Sob as ruínas dos velhos templos
vociferam demônios e chacais
e a pequena fogueira do solitário eremita
é o único anúncio de que ainda há esperança.

Sob  o uivo dos cães e dos ventos,
sob os trôpegos passos dos demônios ruidosos,
o velho eremita recita uma antiga oração
e observa na luz do fogo os olhares em brasas que o cercam.

Devorariam-no  lobos das naturas infernais
se a fé não estivesse como o fogo vivo em seu peito;
Aflita  fogueira a contorcer-se em temores trêmulos,
Luzes e sombras a dançar nas barbas brancas do eremita louco.

Saltita entre ruínas o caprino Azazel 
com pútrido cheiro trazido das sepulturas.
Rasteja na areia a velha Serpente astuta e traiçoeira.
Vocifera blasfêmias em forma de grunhidos Astaróth, o suíno.
Mugidos estarrecedores saem da boca bovina de Belzebu.

O Senhor das moscas está presente onde outrora fora um altar
E o velho impassível agora chora sentindo o azedume no ar.

A pequena fogueira enfraquece.
Chacais e demônios agradecem seu senhor.
Danças orgiásticas começam ao redor da antiga torre.
Lilith, a primeira mulher de Adão, luxuriosamente
Convoca o inferno para as brincadeiras imorais.

Sopra forte o vento na escuridão deserta
Incubus, o dominador, sobrepõe-se aos mais fracos.
Sucubus, o dominado, suga a força dos fortes. 
E o eremita chora,
Vendo fúnebres corujas que anunciam o triste final.
Sabe o velho  que será servido em instantes,
resta uma última brasa no chão e no coração.

O fraco velho recita seu ultimo verso : “Libera nos a malo”.
Entrega o espírito a Aquele que alimentou o fogo até então.
Uma última brasa de fé ilumina a última lágrima de emoção,
depois cerra os olhos à espera da derrota final.

Entrevê porém, o que pensa ser alucinação.
O céu mais claro no horizonte
quebrando levemente a negrura do céu.
E na hora do golpe final,
Onde as babas pútridas dos demônios a lamber os beiços pingavam nas barbas do velho,
Veio um raio de luz, e outro e outro e outro
E de sobressalto subiu no horizonte o sol.
Subiu no horizonte o sol,
E o sol não era ilusão.

Diabos raivosos esgueiraram-se sorrateiramente pelas ruínas, procurando a escuridão.
Abandonaram ao lado da fogueira apagada o velho que jazia com um fraco sorriso no rosto aquecido de sol.
Bem lá no fundo sabia: não se decepcionaria.
agora recebera o que esperara até então.
Valeu sua confiança,
Isso indicava-lhe o arrebol,
Para que ainda a fé? Para que a esperança?
Em ânsias a fogueira pode enfim ser apagada
Pois em sua face já brilhava o próprio Sol.
já brilhava o próprio Sol.

(Leandro Nandi)


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